A revolta de 1852, a contra força da escravidão
Lei do cativeiro: o grande medo
de 1852
A lei do cativeiro, um
decreto do governo imperial de janeiro de 1852, instituía o registro obrigatório de nascimento e
óbito em todo o país: “determinava-se a realização de um recenseamento geral do
império”. A iniciativa visava recolher informações sobre a população do país.
No caso
dos recém-nascidos de condição livre, coletava-se: data, hora, lugar de
nascimento, nome, sexo, nome dos pais (se legítimo), ou só da mãe.
No caso
de crianças escravas, tudo igual, mas acrescentava-se o nome do proprietário, a
cor do recém-nascido e seu estado civil: livre ou escravo.
Em boa
parte do Império, houve motins. A população se levantou contra os registros, a
exemplo de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Ceará e Minas Gerais; além de
grande tensão e alerta geral terem sido criados em todo o país. Leis eram
anunciadas pelos vigários durante as missas e grupos de amotinados vigiavam e
impediam a leitura da lei do registro civil. Escrivães e juízes de paz se viram
ameaçados. Assim a população procurava, por iniciativa própria, obstar o
registro obrigatório de nascimento e óbito.
A causa dos motins segundo o ministro da justiça, Eusébio
Queiroz, era de que havia um boato de que o registro só tinha por fim
escravizar a gente de cor, chegando mesmo a apelidar o decreto de “Lei do
cativeiro”.
Na época,
o ministro dos Negócios do Império, o visconde de Mont’Alegre, chegou a
dizer que havia, em todo o território nacional, muita gente de cor livre com
medo de ser levada a escravidão, “pois eram negros que tinham sua vida pautada
pela ameaça do cativeiro”. O objetivo dos revoltosos era evitar a vigência do
registro civil; a estratégia, impedir a divulgação do decreto pelos párocos e a
sua aplicação nos juízos de paz; o motivo, temor de serem escravizados.
Duas queixas prevaleciam entre os amotinados. A
primeira era de que a finalidade dos registros seria cativar pessoas livres, a segunda, ficava
por conta do ônus de pagarem a certidão ao escrivão de paz na ocasião dos
óbitos. No primeiro caso, os amotinados acreditavam haver uma ligação clara entre
o fim do tráfico africano de escravos, recentemente obtido por meio da
aplicação da lei 1850, lei Eusébio de Queiróz, que proibia o tráfico para o
Brasil, e o regulamento do registro civil. Talvez porque atribuíssem a extinção
do tráfico apenas por conta da pressão inglesa, visto que os ingleses não
deixavam mais entrar africanos, e por conta de que temiam o cativeiro de seus
próprios filhos (pardos livres, jovens e adultos).
Assim, O
presidente de Pernambuco, Victor d’Oliveira, interpretava sobre os eventos
turbulentos que ocorriam na comarca de Pau d’Alho: “onde mais notavelmente se
apresentou em massa a população clamando contra aquele decreto, por ela
apelidado – Lei do cativeiro –
espalhava-se, geralmente, que a lei mandava registrar os nascimentos para
escravizar a gente de cor, que d’ora em diante nascesse”.
O livro de Chaloub destaca como a força da escravidão tornava precária a experiência de liberdade de negros livres e pobres no Brasil oitocentista. Havia uma lógica social e política que produzia uma espécie de interdito [silêncio consensual] que tornava precária a condição do liberto. Delicadas eram as fronteiras entre o trabalho escravo e o trabalho livre, incertas, inseguras, alternadas. Várias eram as apropriações sociais que se desenrolavam entre as categorias de ‘escravo’ e ‘livre’, tais como ‘liberto’ (alforriado), ‘ingênuo’ (fruto de ventre livre), ‘africano livre’ (contrabandeado após a lei de 1831), ‘preto livre’ (não contrabandeado, nem escravo), ‘boçal’ (africano traficado e recém-chegado), ‘ladino’ (africano traficado há muito tempo no país), ‘africano’ e ‘crioulo’ (nascido no Brasil), revelando as estratégias e lógicas das experiências de sobrevivência dos sujeitos naquele período.
A precariedade da liberdade era uma constante para os
negros no Brasil do século XIX. Eram frequentes histórias de pessoas livres
presas por suspeição de que fossem escravas e de indivíduos que se declaravam
livres, mas acabavam leiloados como escravos.
A Lei de 7 de novembro de 1831 já proibia
o tráfico africano. A lei, além de declarar livres todos os escravos vindos de fora do império, também determinava penas contra os importadores e traficantes. Mas não foi isso que se viu. Nas duas décadas seguintes, sob um silêncio consensual geral, mais de 750
mil africanos entraram ilegalmente no país. “Os sentidos e a intrincada
engenharia institucional e política necessária para permitir que autoridades e
cidadãos ditos de bem fingissem não ver o que se passava diante de seus olhos”,
perpetuavam o sofrimento dos negros. E assim manteve-se, durante longos anos,
muita gente escravizada ao arrepio da lei. Lembrando que, no sudeste, uma nova
onda, a expansão do café, reavivava o crime.
Tudo isso
parecia justificar a história daqueles amotinados de 1852 por todo país e,
especialmente, em Pau d’Alho, Pernambuco. Pretos e pardos pobres que reagiam
contra a aplicação do censo, por desconfiança que seu desígnio fosse reduzi-los
à escravidão.
O capítulo
final é dedicado ao pensamento e as palavras do contemporâneo Machado de
Assis, reproduzida a partir de sua obra Memórias póstumas de Brás
Cubas. Nele, o autor revela a complexidade das vivências e reflexões de um
homem dissimulado, anestesiado, como tanto outros que naqueles tempos buscavam
sentido numa sociedade que parecia notória, justificável, vivendo suas vidas
miúdas, ajustáveis, modelares, em meio a um mundo de ricos contrabandistas de
africanos e senhores de gente ilegalmente reduzidas ao cativeiro.
2.
Escravismo
3.
Sob o domínio da ilegalidade
4.
Modos de Silenciar e não ver
5.
Em 1850, a precisão de calar sobre 1831
6.
O que os escravos sabiam
7.
O que os ingleses viam
8.
Que se cumpra a lei
9.
Liberdade precária
10.
Machado de Assis (arremate)
[1]
CHALHOUB,
Sidney. A força da escravidão: ilegalidade
e costume no Brasil oitocentista, 1 ed., --São Paulo, Cia da Letras, 2012.
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