Histórias de África Bahia

sábado, 28 de maio de 2011

O início da expansão portuguesa em África

- Dom Afonso IV, o Bravo -
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Afonso IV (1291-1357), o Bravo, sétimo rei de Portugal, teve o bom senso de acreditar e investir na construção da marinha mercante portuguesa possibilitando as primeiras viagens de exploração Atlântica. Por volta de 1336*, seus comandados alcançaram primeiramente as Ilhas Canárias - conhecidas pelos númidas (norte africanos), desde o reinado de Jubá II (60-46 a.c) - mas sua posse foi atribuída ao rei de Castela (Espanha) pelo papa Clemente VI. O que gerou alguns desafetos na época.
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Mais tarde, o infante D. Henrique (1394-1460), um apaixonado pela aventura de exploração, um entusiasmado representante do forte Estado Português, absolutista, financiado pela burguesia emergente e a Ordem de Cristo (ordem religiosa e militar criada pelo papa João XXII, herdeira da Ordem dos Templários), se tornou o principal responsável pelo pioneirismo português na expansão marítimo-comercial.
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- modelo de Caravela usada no início dos descobrimentos –
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E vieram as conquistas. O arquipélago da Madeira composto pelas ilhas da Madeira e Porto Santo, redescoberto pelos portugueses em 1418 e o arquipélago de Açores, em 1431 (é provável que a descoberta das primeiras ilhas tenha ocorrido por volta de 1340, ao tempo de Afonso IV), composto por outras nove ilhas, marcam o ponto de partida na reconstituição da memória da expansão ultramarina portuguesa no século XV. Logo estas ilhas desabitadas foram colonizadas pelos portugueses e atualmente estão designadas como território autônomo da República Portuguesa e integram a União Europeia.
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Na sequencia, alcançaram o Cabo Bojador ultrapassado em 1434, com seus assobramentos também (acreditava-se que, talvez, o fim do mundo se desse por aquelas alturas); O Cabo Branco em 1441; a Baía de Arguim em 1443; o Rio Senegal e a penísula do Cabo Verde em 1444, hoje cidade de Dakar. Em fim, chegaram à região do Sahel, limites sul do quase “intransponível” deserto do Saara. A África meridional agora estava servida para o banquete dos horrores da colonização.
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 - mapa-mundi de 1459 –
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Uma curiosidade wikipedia: um mapa-mundi de 1459, por Fra Mauro, monge veneziano, que revela o mundo conhecido na época (note que não consta a América).
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Em seguida alcançaram a Guiné-Bissau (1446), em território continental africano (uma pequena extensão ocidental do grande Império do Mali), e mais algumas dezenas de pequenas ilhas que hoje compõem Arquipélago dos Bijagós. Quase que simultaneamente - agora em mar aberto - um novo arquipélago composto por outras dez Ilhas, estas desabitadas, foi descoberto, Cabo Verde (1458-60). Este último se tornou um importante entreposto comercial de escravos e foi colônia de Portugal até sua independência nos recentes anos de 1975.
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 - atual Macaronésia –
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Essas ilhas a oeste do estreito de Gilbratar, já eram conhecidas dos antigos gregos que a denominaram de Macaronésia ("makáron" = feliz, afortunado; e "nesoi" = ilhas) sugerindo "ilhas abençoadas" ou "ilhas Afortunadas”. Não para os negros que penaram ali.
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Avançando mar abaixo, pelo grande atlântico, chegaremos a outros três países de África que foram colônias portuguesas e têm o português como língua oficial: São Tomé e Príncipe (1470-71), Angola (1482) e Moçambique (1492). Apenas as ilhas de São Tomé e Príncipe estavam desabitadas.
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Segundo Maria Aparecida Santili (2003), e de acordo com informações obtidas nas Actas do Congresso sobre a Situação actual da Língua Portuguesa no Mundo - 1985, e no Atlas da língua Portuguesa na história e no mundo, podemos apreciar as seguintes conclusões:
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Na Guiné-Bissau, independente em setembro 1974, hoje, com seus 1,3 milhão de habitantes expremidos entre o Senegal e a Guiné-Conacri, dois países de colonização francesa, fala-se essencialmente o crioulo, apenas 10% da população fala o português, “que é usado na escrita, na administração pública e o no ensino”.
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Em Cabo Verde, após ter sido habitada, coesistiram o Português e o Crioulo (um português simplificado, misturado com as línguas dos negros trazidos às ilhas). Independente de Portugal desde julho de 1975, hoje, somam em torno de 435 mil caboverdianos. O Português é a língua oficial, mas o crioulo caboverdiano predomina.
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Em São Tomé e Principe, independente em julho 1975, apesar de ser a língua portuguesa a oficial, há dois tipos de crioulos prevalecendo entre os seus 175 mil habitantes. O Português contribuiu tornando a língua mais "enriquecida".
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Em Angola, independente desde novembro 1975, onde a população atual beira os 14 milhões de habitantes, cerca da metade fala o português como uma segunda língua. Nas grandes cidades prevalece o português, mas há cerca de 11 grupos linguísticos, subdivididos em 90 grupos menores espalhados pelo país. As línguas mais faladas são o umbundu, quimbundu e quicongo.
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Em Moçambique, independente em junho de 1975, 25% de seus 20 milhões de habitantes falam o Português, língua “operacional”. Existem ainda 8 línguas bantas subdivididas em mais de 40 variantes. Segundo Perpétua Gonçalves (Actas: 243-44), em um congresso realizado em 1962, procurou-se manter o Português: “dado o objetivo de garantir o nível científico de todo o povo de uma maneira rápida que não podia compadecer dos atrasos que traziam as línguas moçambicanas na terminologia técnico-científica”. Por conta deste “atraso”, permaneceram, nas antigas colônias, as línguas do colonizador.
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- Colônias portuguesas -
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Refletindo um pouco sobre a rota de expansão portuguesa - a partir do século XV, avançando sobre a África, América e Ásia - fico imaginando como deve ter sido doloroso, para os negros da região, cada embate gerado pelas diferenças etnico-culturais que a potencia europeia infligia sobre esses povos. Portugal avançava com todo o seu histórico bélico comandado por conquistadores bárbaros ávidos e genocidas. Buscavam subjugar populações inteiras atracando a margem de enseadas abnegadas e desnudas, baías paradisíacas, com toda a carga explosiva imperialista, presunção monárquica, vantagens mercantilistas e seminal cobiça capitalista.
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- caravana de escravos a caminho da costa -
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Armas de fogo contra setas, canhões contra zarabatanas, espadas contra adagas, que muito rapidamente foram se apropriando dos espaços e de suas riquezas, escravisando aldeias inteiras quando não as exterminando. Em seguida, concentrou força e ciencia nos aspectos étnico-culturais, no domínio linguístico para as negociações do pleito hegemônico. Soube mentir, iludir, enganar, sedimentar à discórdia - subjulgou por força da perversa e predatória implantação colonial.
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Só perdeu a língua portuguesa oficial. Erigida no espaço europeu com seu passado histórico recente - buscando consagrar-se, tão jovem na formação de sua identidade, em confronto com o outro penisular, o castelhano, onde se graduou - agora negocia sua integridade em terras distantes. Precisava se valer no espaço colonizado, impondo-se e expandindo em adequação para as trocas necessárias a esse convívio distante das origens, onde se rendiam os velhos significantes para as novas elaborações recém descobertas. Diante do novo, uma armada de “línguas” portuguesa ansiava por tomar a África.
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Semelhantes aos combates físicos, citaremos aqui duas construções simbólicas para o entendimento desse embate linguístico como se houvesse a língua natural portuguesa sendo cozida, diluindo no caldeirão antropofágico da história, passando das carnes cruas do lusismo ao caldo picante da lusofonia.
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O lusismo, segundo Laura Cavalcante Padilha, deve ser pensado como modo de “afirmação do próprio espaço português” sua construção identitária erigida no espaço europeu, ou segundo Antenor Nascentes “vocábulo, expressão, construção, próprios do português falado em Portugal”, ou ainda sinônimo de lusitanidade como descreve Houaiss: “caráter ou qualidade peculiar, individualizadora, do que é ou de quem é português”. O texto de Camões, Os Lusiadas (1575) é o maior exemplo de força do lusismo na afirmação distintiva do sujeito histórico cultural portugues diante dos vários outros novos em confronto. O lusismo representaria a arma de fogo, os canhões.
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- Nativo Guerrero Kenia. Foto García Robes -
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Para conhecer melhor esses tempos, voltemos ao relato de Camões que nos deixa impresso o testemunho das verdadeiras intenções portuguesas no novo continente: subjugar os nativos locais “selvagem mais que o bruto Polifemo”, e avançar como se aquelas terras não lhes pertencessem: “Estrangeiros na terra, lei e nação / (...) / A natura, sem lei e sem razão”.
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lusofonia viria “como consequência da expansão da língua e da cultura fora da territorialidade europeia”, segundo Padilha, adaptando-se ao novo espaço étnico-cultural onde se apresenta como força de afirmação simbólica “dado pela hegemonia das nações colonizadoras e pela língua igualmente hegemônica expandida pela ação colonizadora”.
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Segundo Aurélio, “comunidade formada por povos que habitualmente falam o português”. Ana Isabel Madeira descreve como “um traço no encadeamento das narrativas que articulam a história dos povos que utilizam a língua portuguesa”.
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O Brasil (América), Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe (África) e Timor Leste (Ásia), estiveram, em algum momento de suas histórias, em confronto com os portugueses e hoje utilizam a língua repatriada e redimensionada como instrumento de soberania e defesa.
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 * Datas aproximadas. As datas variam de acordo com o momento histórico. Algumas indicam quando a(s) ilha(s) foram avistadas pela primeira vez, outras, a data de sua administração inicial.
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CAMÕES, Luís Vaz de, (1972), Os Lusíadas, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura;
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1988), Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira;
HOUAISS, Antônio (2001), Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva;
MADEIRA, Ana Isabel (2003), Sons e silêncio da lusofonia: Uma reflexão sobre os espaços-tempos da língua portuguesa. Lisboa, Educa;
NASCENTES, Antenor (1972), Dicionário Ilustrado da língua portuguesa, 6 vols, Rio de Janeiro: Bloch / Academia Brasileira de Letras;
PADILHA, Laura Cavalcante (dez/2005), Da construção identitária a uma trama de diferenças - Um olhar sobre as literaturas de língua portuguesa. Revista Crítica de Ciências Socias, n. 73, Coimbra, Portugal;
SANTILI, Maria Aparecida (2003), Paralelas e Tangentes, entre literaturas de língua portuguesa. Editora Arte e Ciência.
FERRONHA, António (1993), Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo, Imprensa Nacional de Portugal. MI.
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Actas do Congresso sobre a Situação actual da Língua Portuguesa no Mundo 1985
http://dspace.bg.uc.pt/?q=node/22417
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Wikipedia
Infante D. Henrique
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Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos
http://www.aciml.org.mo/index.htm
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